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Reflexões sobre as crises ética, econômica e política

A crise política também tem origem numa série de erros cometidos pelo governo na relação com o Congresso e com os partidos. Em lugar de fazer uma opção preferencial de aliança com a esquerda e centro-esquerda para as eleições de 2014, o governo, o PT e Dilma preferiram apoiar a criação de partidos de centro-direita, como o PSD e o Pros.

Antônio Augusto de Queiroz*

Em palestra recente tive a oportunidade de abordar a crise que se vive no País, analisando as causas dessa crise em três dimensões: ética, econômica e política.

Para contextualizar cada uma das dimensões, é preciso registrar que, além do moralismo justiceiro em curso, há no Brasil uma combinação de quatro fatores que são sinônimos de crise em qualquer País ou lugar.

1) Um governo fraco;
2) Um Congresso conservador e subordinado ao poder econômico;
3) Um Judiciário midiático; e
4) Uma imprensa tendenciosa.
Essa combinação torna o ambiente político e social confuso e deixa a população atônita. Precisamos compreender bem esse ambiente para não sucumbirmos ao desalento nem à desesperança.

Crise Moral

Especificamente sobre a questão moral, em que se atribui ao governo dos últimos 10 anos a responsabilidade por uma suposta degradação moral do País, é preciso esclarecer alguns aspectos para uma melhor compreensão do que está acontecendo.

Não se nega a existência de escândalos monumentais de corrupção, mas é preciso situar o contexto em que isso vem à tona.

Na última década houve uma redução significativa da cultura do segredo, com a aprovação e incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro de uma série de leis e emendas à Constituição voltadas para ampliar a transparência, o controle, o acesso à informação e o combate à corrupção:
1) Lei da transparência que obriga a disponibilização, em tempo real, dos gastos governamentais nos três níveis (Lei Complementar 131/09, conhecida como Lei Capiberibe)

2) Lei de Captação de Sufrágio que aceita como ilícita a evidência do dono para efeito de cassação de registro e de mandato (Lei 11.300/06)

3) Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10)

4) Lei Geral de Acesso à Informação (Lei 12.527/11)

5) Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/11)

6) Lei de Conflito de Interesse (Lei 12.813/13)

7) Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica ou Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13)

8) Lei da Delação Premiada ou lei que trata de organizações criminosas (Lei 12.850/13)

9) Emenda Constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (EC 76/13)

Além disso, nunca os órgãos de fiscalização e controle (PF, CGU, TCU, MPU, Coaf, etc) tiveram tanta liberdade para atuar como na última década.

Isso, mal comparando, seria como alguém que tinha seis graus de miopia e via tudo embaçado e passa a usar óculos e enxergar tudo com nitidez.

A prática da corrupção, que sempre deve ser denunciada, e com a exigência de punição exemplar aos seus responsáveis, não surgiu nos governos do PT nem será extinta com a conclusão dos mandatos petistas. Ela é inerente ao ser humano e, portanto, sempre irá existir. A diferença é que agora o Brasil dispõe de meios e instrumentos para detectá-la e propor sua punição. Entretanto, para que a punição seja efetiva, é preciso modificar os códigos de processo para eliminar a morosidade da Justiça, evitando a impunidade com a prescrição dos crimes.

Crise Econômica

A presidente Dilma assumiu seu primeiro mandato com uma obsessão benigna, que era a redução da taxa de juros.

Para conseguir juros civilizados, ela modificou a forma de remuneração da poupança e determinou ao Banco Central que reduzisse a taxa Selic e aos bancos oficiais que, mediante concorrência, reduzissem o spread bancário.

O sistema financeiro, que teve suas margens de lucros controladas ou reduzidas, não gostou da ação governamental.

Consideraram a utilização de mecanismos de política econômica e de instituições governamentais para interferir na margem do lucro do sistema financeiro – uma agressão, uma violência a uma regra do capitalismo que para eles é dogma, é sagrada.

Mas os cidadãos, em geral, e o setor produtivo, em particular, gostaram de pagar menos juros. Não houve solidariedade ao sistema financeiro.

A presidente, empolgada com o apoio popular decorrente da melhoria das condições de vida da população, que conseguia comprar e fazer empréstimos com juros baixos, resolveu transpor esse modelo para outras áreas da atividade econômica, inicialmente nos setores sob concessão pública.

Fixou margem de retorno ou limitou a margem de lucros de setores como o de energia elétrica, de portos, aeroportos, rodovias e pretendia ir também para a mineração.

Isso revoltou o empresariado desse setor, que estava disposto a contribuir com o esforço de redução de tarifas, mas sem constar de lei ou de contrato.

A alegação é que ninguém compraria ações de empresas cuja margem de lucro esteja previamente controlada por governos ou quem quer que seja. Em geral, a governança corporativa das empresas têm regras que impedem que elas comprem ações de outros empreendimentos com margem de lucro pré-determinada ou controlada por governo.

O pessoal da energia elétrica, por exemplo, até aceitava a redução no valor da tarifa no percentual pretendido pelo governo, mas sem constar nem em contrato nem em lei. Eles viabilizariam isso pela produtividade, pela gestão, pela escala, enfim, davam um jeito, mas não deixariam de receber investimentos em função disso.

Como o governo foi intransigente, eles até renovaram as concessões, que têm validade de 30 anos, mas decidiram não investir enquanto durasse o mandato da atual presidente.

Consta que a presidente só veio se dar conta de que o mercado a enxergava como alguém contra o lucro, contra o empresariado, contra a iniciativa privada, enfim, contra o capitalismo, quando a Vale do Rio Doce fechou uma mina de potássio na Argentina e a presidente Kirchner pediu que Dilma intercedesse junto à Vale para rever a decisão.

O presidente da Vale disse à presidente que a empresa não iria rever porque em sua governança corporativa tem uma regra que a empresa não fica um dia sequer, em qualquer país, inclusive no Brasil, se lei ou contrato instituir participação especial ou reduzir sua margem de lucro.

Essa percepção do mercado acerca do governo da presidente Dilma é, em grande medida, o responsável pela crise econômica que se vive.

O Brasil continua como um destino de investimento estrangeiro direto importante, inclusive porque seus ativos estão baratos, mas poderá perder essa condição se os Estados Unidos modificarem sua política monetária ou se mais uma agência de risco retirar o selo de bom pagador do País: o grau de investimento.

No setor empresarial, alega-se que os investimentos não acontecem na dimensão esperada por falta de confiança ou temor de que o governo possa interferir na margem de lucro das empresas.

Os fundos de pensão, que são outro investidor forte, têm priorizado a compra de títulos do governo, que remuneram, em lugar de ir para o setor produtivo. Além disso estão sob investigação no Congresso.

A Petrobras e o BNDES, ambos sob investigação de CPIs no Congresso, reduziram drasticamente os investimentos. A primeira por falta de caixa e pelo alto endividamento. O segundo pela política governamental de redução de subsídio e incentivos creditícios ao setor privado.

Como se vê, a crise econômica é realmente preocupante.

A crise política
O Congresso eleito em 2014 pode ser classificado como conservador, do ponto de vista social; liberal, do ponto de vista econômico, e atrasado, do ponto de vista do meio ambiente e dos direitos humanos.

As causas dessa composição têm muito a ver com a frustração com o resultado das manifestações de 2013, quando o cidadão foi às ruas nas dimensões de eleitor, contribuinte, usuário de serviços públicos e consumidor.

Como eleitor, o cidadão tinha e continua tendo razão de sobra para protestar. O eleitor é o titular de poder e quando delega para que alguém em seu nome legisle, fiscalize, aloque recursos no orçamento ou administre um Município, um Estado ou a própria União, o faz com base em um programa, com exigência de prestação de contas e alternância no poder. E nenhum representante tem correspondido a essa expectativa, contribuindo para a descrença do eleitor nos agentes públicos e políticos de um modo geral.

Na dimensão de contribuinte, o cidadão também protestou com razão. A cobrança de tributos no Brasil é injusta e regressiva, além de incidir basicamente sobre consumo e salários, quando deveria recair sobre renda, lucros e dividendos, patrimônio, grandes fortunas e herança, assim como doações e remessas de lucros ao exterior. Além disto, especialmente na época dos protestos, havia denúncia de desvio de recursos públicos, favorecimento a empresários inescrupulosos, como Eike Batista, e a construção de obras da Copa, especialmente grandes estádios, que o povo não teria acesso.

Como usuário de serviço público, que foi o estopim das manifestações, especialmente no transporte público, o cidadão igualmente tinha e continua tendo razão. Apesar do esforço dos servidores públicos, os serviços públicos de saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, além de insuficientes, continuam de má qualidade, tanto por problemas de gestão quanto por falta de recurso.

Na dimensão de consumidor, o cidadão também estava e continua insatisfeito com justo motivo. O governo perdeu a guerra com o mercado financeiro e o Banco Central voltou a elevar a taxa de juros. A inflação, por pura especulação num momento de sazonalidade de produtos hortifrutigranjeiros, especialmente batata e tomate, disparou e o custo de vida ficou mais caro. A atualização das tarifas públicas ou dos preços administrados, como energia elétrica e combustíveis, também impactou o orçamento das famílias, contribuindo para o aumento da indignação do consumidor.

O cidadão, entretanto, não protestou, naquela oportunidade, na dimensão de assalariado/trabalhador porque o emprego e a renda cresciam. Se tivesse participado do processo, o resultado certamente teria sido outro, sobretudo pela capacidade de articulação.

As manifestações foram convocadas pelas redes sociais, sem a participação dos setores organizados — partidos, sindicatos, movimentos sociais, etc — e por isso não havia liderança clara e interlocução com capacidade e experiência na sistematização das reivindicações e, sobretudo, na negociação com os poderes responsáveis pela implementação das respectivas políticas públicas reivindicadas. A efetividade, no regime representativo, requer institucionalidade.

Frustrados em suas expectativas, os eleitores ficaram indignados e passaram a se identificar com o primeiro populista, fundamentalista ou messiânico que se apresentasse “contra tudo que está aí”. Com isso elegeram, irrefletidamente, parlamentares conservadores e neoliberais que tinham o mesmo diagnóstico da situação, porém com propostas completamente opostas às esperadas pelos eleitores, que, afinal, pediam mais governo, mais Estado, mais políticas públicas.

O Congresso eleito nesse ambiente político foi esse que vemos, formado por bancadas como a ruralista, a evangélica, a da segurança/bala e a da bola, que, somadas, reúnem a maioria absoluta das cadeiras da Câmara dos Deputados. Essas bancadas, que representam o que há de mais atrasado na política nacional, têm atuado de modo articulado.

Além da composição do Congresso, a crise política também tem origem numa série de erros cometidos pelo governo na relação com o Congresso e com os partidos.

Em lugar de fazer uma opção preferencial de aliança com a esquerda e centro-esquerda para as eleições de 2014, o governo, o PT e Dilma preferiram apoiar a criação de partidos de centro-direita, como o PSD e o Pros.

O PMDB interpretou isso como uma tentativa de esvaziá-lo como aliado prioritário. Com a entrega, no segundo mandato, de dois ministérios estratégicos a esses partidos (Cidades para o PSD e Educação para o Pros) aumentou a desconfiança do PMDB. Quando o PT, com apoio de parcela do governo, lança o deputado Arlindo Chinaglia contra Eduardo Cunha, a relação entre PT e PMDB azedou de vez.

Como Eduardo Cunha se elegeu em primeiro turno e não precisou do apoio da oposição, que votou em Júlio Delgado, aí ele quis se vingar do PT e do governo, criando toda sorte de dificuldades.
Para complicar o quadro, os presidentes da Câmara e do Senado atribuíram a inclusão do nome deles nas investigações da Lava Jato à pressão do governo. E no caso específico do presidente da Câmara, a dificuldade do governo é dupla. De um lado, porque depende dele para evitar a votação da pauta bomba e para priorizar a votação das matérias do ajuste fiscal, e de, outro, porque teme que ele, para corresponder ao apoio que recebe da oposição, resolva iniciar o processo de impeachment contra a presidente Dilma.

Essas são, em resumo, as reflexões que gostaria de compartilhar sobre o momento que se vive no Brasil.

Fonte: DIAP

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