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A Lava Jato e o trabalho escravo: quem paga pela corrupção na construção civil

Os três casos listados abaixo têm três elementos em comum. Descubra quais.
Caso um. Em uma casa da periferia de Guarulhos, em São Paulo, 38 homens se amontoavam no espaço de quatro quartos e dois banheiros. Muitos dormiam na cozinha, outros, debaixo da escada. Não havia colchões para todos. Os habitantes tinham de dividi-los entre si ou dormir no chão, enrolados em lençóis. Faltavam fogão e geladeira, nem a água chegava todos os dias.

Vindos do Pernambuco, os operários aguardavam para trabalhar na ampliação do aeroporto de Cumbica, obra da OAS, em 2013. A promessa era de carteira assinada, salário de R$ 1.412, vale-alimentação de R$ 320 e vale-transporte de R$ 360. Para garantir a vaga, cada um havia desembolsado cerca de R$ 500. O Ministério do Trabalho e Emprego responsabilizou a construtora pela exploração de trabalho análogo ao de escravo. Em novembro do mesmo ano, firmou um acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho de São Paulo e aceitou pagar R$ 15 milhões pelo flagrante.

Caso dois. Um par de anos antes, do outro lado do oceano Atlântico, em Angola, operários brasileiros bebiam água não potável, faziam suas refeições de qualidade duvidosa em um ambiente infestado por ratos e baratas e eram obrigados, muitas vezes, a defecar no mato. Vômitos e diarreias eram comuns, assim como doenças como malária e febre tifoide.

Os trabalhadores, recrutados em sua maioria no interior paulista, atuavam na construção da usina de açúcar e etanol Biocom, obra da construtora Odebrecht. Em setembro de 2015, a empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho de São Paulo, juntamente com duas de suas subsidiárias, ao pagamento de R$ 50 milhões por tráfico de pessoas e exploração de mão de obra escrava de 500 trabalhadores.

Caso três. Em 2009, 38 operários maranhenses foram obrigados, por vários dias, a disputar o pequeno espaço de um barracão de madeira improvisado para descansar após a dura jornada na construção da vila Nova Mutum, local que abrigaria as famílias que residiam na área inundada pela hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Os trabalhadores dormiam em colchões improvisados, pois não havia camas. As instalações elétricas eram precárias, oferecendo risco de incêndio, e o banheiro, feito de tábuas de madeira, não tinha teto. Sequer água potável era fornecida.

O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho responsabilizaram, por exploração de mão de obra escrava, a Construtora BS, que prestava serviços ao consórcio responsável pela construção da usina, do qual faz parte a empreiteira Camargo Corrêa.
Além da exploração de trabalho escravo e do aliciamento de imigrantes, esses três casos têm um terceiro elemento em comum: aconteceram em obras de grandes empreiteiras envolvidas nas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal.

A precariedade de condições ofertadas aos trabalhadores contrasta com as altas cifras de corrupção ligadas a essas mesmas empresas na investigação. Enquanto operários dormiam no chão e não tinham acesso ao banheiro, denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal apontam que a Odebrecht teria desembolsado R$ 144 milhões, a Andrade Gutierrez, R$ 123 milhões, e a Camargo Correa, 110 milhões para um esquema de corrupção que envolvia políticos e funcionários da Petrobras.

A economia com os funcionários chama ainda mais atenção quando comparada com as volumosas verbas públicas destinadas a essas construtoras.A expansão do aeroporto de Guarulhos, por exemplo, recebeu um investimento inicial de R$ 1,2 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Em dezembro de 2013, poucos meses após o flagrante de trabalho escravo, a instituição aprovou mais R$ 2,28 bilhões. A OAS era uma das quatro empresas que formavam o consórcio Invepar que, juntamente com a Airports Company South Africa, detinha 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Sobre a construção da usina Biocom pela Odebrecht, pesa a suspeita, segundo o Ministério Público do Trabalho, de que tenha havido “financiamento oculto” do BNDES. Já a construção da usina de Jirau, incluída no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, do Governo Federal, e tocada pela Camargo Corrêa, recebeu do BNDES financiamento inicial de 7,2 bilhões.

Sobre o caso ocorrido em Angola, a Odebrecht afirma deter participação minoritária na Biocom e não ser responsável pela construção do empreendimento, “que foi executada por companhias especializadas e contratadas pela própria Biocom”. Disse também que as condições de trabalho são “adequadas”, que “nunca existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador”.
(Leia a nota na íntegra)

A construtora, condenada por conta dessa denúncia, deve explicações também sobre a libertação, no fim de julho deste ano, de 11 trabalhadores nas obras da Vila dos Atletas, que irá abrigar competidores das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. As vítimas, vindas do Maranhão, Paraíba, Bahia e Espírito Santo, dormiam em pequenas quitinetes numa favela da região. Algumas delas afirmaram passar a noite do lado de fora das casas, por conta da sujeira dos locais. Um cheiro forte de esgoto saía do ralo do quarto de uma das residências, e os operários tinham de conviver com ratos e baratas. Segundo a procuradora Guadalupe Louro Turos Couto, do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro, além da empresa terceirizada Brasil Global Serviços, as integrantes do Consórcio Ilha Pura, a Odebrecht e a Carvalho Hosken, que tocam a obra, também serão responsabilizadas.

Procurada pela Repórter Brasil sobre esse flagrante de trabalho escravo, o Consórcio Ilha Pura disse identificar e fiscalizar os alojamentos mantidos por seus fornecedores e que a Brasil Global Serviços havia declarado que não possuía alojamento por que todos os contratados tinham comprovantes de residência do Rio de Janeiro.

Além do caso de trabalho escravo nas obras de compensação social, o canteiro da usina hidrelétrica de Jirau, foi palco de uma revolta de trabalhadores, em março de 2011, por conta de queixas como não pagamento de horas-extras, falta de tratamento para operários adoecidos e o não cumprimento das promessas feitas quando do recrutamento em outros estados. Parte do canteiro ficou destruída e tropas da Força Nacional passaram a ocupar o local. A rebelião resultou na assinatura, em fevereiro de 2012, do Compromisso Nacional para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção, que foi criticado por não contemplar todos os problemas trabalhistas do setor. Dois meses depois do início da vigência do acordo, uma nova revolta eclodiu em Jirau.

A Andrade Gutierrez, outra grande empreiteira denunciada por corrupção no esquema investigado pela Lava-Jato, também é acusada por uma série de irregularidades trabalhistas, por exemplo, no estado do Amazonas. Responsável pela construção do estádio Arena da Amazônia, em Manaus, a construtora firmou, em setembro de 2014, um acordo judicial para o pagamento de R$ 5 milhões de danos morais coletivos por irregularidades trabalhistas na obra, como violações a regras relacionadas à segurança do trabalho em altura, com máquinas e equipamentos, em instalações elétricas e contra a projeção de materiais. A negligência custou a vida de três operários em decorrência de acidentes: Raimundo Nonato Lima Costa, Antônio José Pita Martins e Marcleudo Melo Ferreira. O horário do acidente ocorrido com este último, de madrugada, levantou a suspeita de que a construtora estaria pressionando os trabalhadores a finalizarem a obra, que recebeu, via estado do Amazonas, um financiamento de R$ 400 milhões do BNDES.

Fonte: Repórter Brasil

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