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Entrevista: "Fator previdenciário é uma injustiça contra os mais pobres" diz Eduardo Fagnani

A discussão sobre o fim do fator previdenciário, lançada pelas centrais sindicais, pede o fim de um mecanismo criado após a reforma previdenciária de 1998, e que tem prejudicado os trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho antes dos 18 anos. Na avaliação do economista Eduardo Fagnani (foto abaixo), a iniciativa é válida, porque o “fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele explica que o fator previdenciário “impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade”.

Atualmente, o Brasil tem uma das regras mais rígidas do mundo para o acesso à aposentadoria. Entretanto, a solução da previdência "não está em fazer mais reformas para cortar os direitos conquistados" e, sim, em investir num “modelo macroeconômico que não leve à estagnação da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho”, assegura o economista. De acordo com Fagnani, “o problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores, não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas com a redução das receitas”, por conta da estagnação da economia brasileira nos anos 1990. A eficácia da previdência, resume, depende das opções macroeconômicas do país. “Se a economia crescer, não haverá problema na previdência”.

Eduardo Fagnani possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutorado em Ciência Econômica pela mesma instituição, onde leciona atualmente.

Confira a entrevista dada pelo economista ao Instituto Humanista da Unisinos:

Como o senhor avalia o projeto de acabar com o fator previdenciário? O que mudaria em relação à aposentadoria?
 Eduardo Fagnani – O fator previdenciário é uma das injustiças introduzidas pela emenda constitucional n. 20, de 1998, da reforma previdenciária do então presidenteFernando Henrique Cardoso. Na época, pretendia-se tornar as regras de acesso à previdência Social extremamente rígidas. Assim, a proposta do governo era de que, para se aposentar, a pessoa deveria ter condições. A primeira, 65 anos de idade, se homem, e 60, se mulher, mais 35 anos de contribuição. Essa fórmula é mais rígida do que a praticada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, na Europa. O Congresso vetou essa possibilidade e adotou duas formas para a aposentadoria: ou por idade (65 anos, homem; 60, mulher) mais 15 anos de contribuição; ou por tempo de serviço (35 anos de contribuição). No ano seguinte, o governo criou o fator previdenciário, que impõe uma perda para quem tem 35 anos de contribuição, mas não tem 65 anos de idade. Então, a pessoa que contribuiu durante 35 anos, mas tem, por exemplo, 55 anos de idade, é penalizada. Isso é injusto porque, em geral, a população de baixa renda entra no mercado de trabalho mais cedo, e a população mais rica entra no mercado de trabalho mais tarde, porque tem condições de estudar. O pobre não, e começa a trabalhar com 16 anos, em média. Então, uma pessoa que começa a trabalhar com 16 anos, quando tiver 57, tem condições de se aposentar por tempo de contribuição. Só que se ele não tiver 65 anos, será penalizado. É injusto exatamente por isso, por incidir mais sobre a camada mais pobre, que começa a trabalhar mais cedo.

O que difere a proposta do governo e a proposta das centrais sindicais em relação ao fator previdenciário?
Eduardo Fagnani – A diferença básica é a seguinte: tanto o governo como as centrais sindicais propõem um fórmula que combine tempo de contribuição, os 35 anos, e uma idade mínima. As centrais sindicais propõem uma idade menor, e o governo propõe uma idade maior.

Que modelo seria alternativo ao fator previdenciário?
Eduardo Fagnani – Uma alternativa é manter a contribuição e estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, mas essa idade não pode ser 65 anos, porque é muito rígida. Tem que ser uma idade menor, em torno dos 60 anos.

 Mas há uma cultura de que as pessoas devem trabalhar mais tempo antes de se aposentar, devido ao aumento da expectativa de vida?
Eduardo Fagnani – As centrais sindicais, muitas vezes, não levam em conta esse aspecto. Então se se estabelecesse uma idade muito baixa, essa questão demográfica não estaria de acordo com o crescimento da expectativa de vida. Mas minha posição é a de que a idade mínima não pode ser 65 anos. Veja, a média de aposentadorias na Europa é 60 anos. Agora, com a crise europeia, estão querendo aumentar a idade mínima na França de 60 para 62 anos. Portanto, não pode ter, em um país de capitalismo tardio como o Brasil, uma regra de idade mínima como a atual, implantada em 1998.

Em que medida essa discussão em torno do fator previdenciário retoma o debate da reforma previdenciária no Brasil? Há ou não necessidade de reformar a previdência?
Eduardo Fagnani – Essa discussão de reformar a previdência é uma bobagem. Isso por várias razões. Primeiro, porque a reforma da previdência já foi feita em 1998 pelo FHC, e tornou as regras brasileiras mais exigentes em relação à idade mínima para se aposentar e estabeleceu um tempo de contribuição.

Não há como comparar as realidades socioeconômicas e demográficas do Brasil com os países da comunidade europeia. A renda per capita e a expectativa de vida lá são muito maiores, e a realidade social é muito melhor. No entanto, as regras brasileiras são maiores. O que os conservadores querem? Querem passar a idade mínima para 70 anos? Sendo assim, o Brasil será o campeão mundial de idade mínima. O que eles querem fazer, na verdade, é desvincular o piso do mínimo, aumentar a idade de trabalho das mulheres. Enfim, a questão aí é judicial.

O problema da previdência, ao contrário do que dizem os conservadores, não está relacionado apenas com o crescimento da despesa, mas também com a redução das receitas. Eles dizem que a previdência tem um problema financeiro, visto que a despesa cresceu muito, continuará crescendo e, portanto, vai “tornar o país ingovernável”. Isso é uma estultice. O problema da previdência, desde os anos 1990, não é só de aumento da despesa; trata-se de um problema de redução das receitas. E por que houve redução das receitas? Porque a economia ficou praticamente estagnada desde 1990. O Brasil cresceu, em média, menos que 2% ao ano. Quando o país tem um baixo crescimento econômico, tem desemprego, redução de salário etc. e, portanto, cai a massa salarial – e as fontes de financiamento da previdência são baseadas na massa salarial. Resumindo: quando a economia está estagnada, a receita cai.

O que aconteceu de 2007 para cá? A previdência urbana passou a ser superavitária. No ano passado, ela foi superavitária em 40 bilhões. E passou a ser superavitária porque a economia voltou a crescer 4% ao ano. Quando se fala que é preciso fazer uma reforma da questão financeira, diz-se que o problema da previdência é a previdência. Eu estou dizendo que o problema da previdência não está nela própria; está nas opções macroeconômicas que o país faz. Se a economia crescer, não haverá problema na previdência.

A partir do sistema previdenciário, que avaliação faz das finanças do Estado?
Eduardo Fagnani – De 2007 para cá houve um crescimento econômico e a geração de mais de 20 milhões de empregos. Além disso, o desemprego caiu de 13% para 5%. Qual o efeito disso? Mais pessoas passaram a ser incluídas, mais pessoas passaram a contribuir com a previdência, e aumentou a arrecadação. Então, a previdência urbana em 2011 teve um superávit de mais de 40 bilhões. Portanto, a solução da previdência não está em fazer mais reformas para cortar os direitos conquistados, para tornar as regras mais exigentes. A opção é ter um modelo macroeconômico que não leve à estagnação da economia, ao desemprego, à precarização do trabalho.

Que expectativa os jovens podem ter de se aposentar pelo INSS? Isso vai depender dos rumos da economia nos próximos anos?
Eduardo Fagnani – Em relação a essa questão, os conservadores dizem que existe a bomba demográfica, ou seja, em 2050 haverá um aumento da população idosa. Mas têm duas coisas que eles não falam. A primeira delas é a redução do número de jovens até 15 anos. Só para se ter uma ideia, hoje existem 46 milhões de crianças em idade escolar. Em 2040, existirão 20 milhões de crianças na escola. Portanto, em tese, vai se reduzir a pressão para a educação. A segunda questão importante é que, até 2050, a população de 15 a 60 anos aumentará, que é a população em idade de trabalho.
Então, se tiver uma política econômica que garanta o emprego, o rendimento etc., haverá também a oportunidade de que esta população tenha escolaridade, renda, educação, ou seja, passe por uma fase de enriquecimento relativo antes de se aposentar. Portanto, ela irá depender menos da previdência pública. Então, existe uma janela de oportunidade demográfica, e isso pode ser positivo se a economia crescer 4% ao ano, ou pode ser um ônus, nos próximos 20 ou 30 anos, caso o Brasil continue a ter um crescimento baixo.


Qual a importância da previdência como um instrumento de seguridade social e, nesse sentido, quais as implicações da previdência privada para os investimentos em seguridade social?
Eduardo Fagnani – O Brasil teve uma sorte histórica, porque as pessoas que lutaram contra a Ditadura Militar na década de 1970 pensaram em uma agenda democrática que incluía a democracia, a redistribuição da renda e um sistema de proteção social inspirado na social-democracia europeia. Essa agenda, com uma dificuldade enorme, conseguiu ser aprovada na Constituição de 1988, que foi inspirada na ideia de direitos sociais, de seguridade social, ou seja, na concepção de que todas as pessoas têm direito ao mínimo, mesmo não tendo contribuído. Quer dizer, trata-se de princípios de valores que têm a ver com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Entretanto, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo passou a ser o paradigma hegemônico, mas ele não entrou no Brasil até 1988, porque o país estava tratando as contas com a Ditadura Militar, e na agenda brasileira predominava a reforma tributária, os direitos trabalhistas, a seguridade social, o sistema único de saúde, o direito de greve etc. Ou seja, não era a agenda do neoliberalismo.
É evidente que desde os anos 1990 há uma tentativa de retroceder a Constituição de 1988, mas bem ou mau o Brasil tem uma seguridade social e uma previdência social, que é o maior mecanismo de proteção social do país. A seguridade social beneficia diretamente 33 milhões de pessoas: 17 milhões do INSS urbano, 8 milhões do INSS rural, mais 4 milhões do benefício de prestação continuada, e mais 7 milhões de seguro desemprego. 90% desses benefícios equivalem a um salário mínimo. E, atualmente, quase 90 milhões de pessoas recebem pelo menos um salário mínimo, ou seja, trata-se de quase a metade da população brasileira.
Nos últimos anos, o salário mínimo cresceu mais de 60% em termos reais, e 90% desses benefícios equivalem ao piso do salário mínimo. Logo, a renda dessas transferências para a seguridade social aumentou 60%, aumentando o poder de compra das pessoas. Esse é um dos fatores, junto com o crescimento do emprego, que têm sustentado o ciclo recente de crescimento, baseado no mercado interno.

Hoje, menos de 10% dos idosos estão em situação de pobreza. Se não houvesse a seguridade social, mais de 80% dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza. Daí a importância da seguridade social e da sua consolidação. Ainda existem muitas pessoas que não entendem a importância desse mecanismo de proteção social, o qual enfrenta muitas ameaças e riscos.
Por outro lado, quem investe na previdência privada é quem tem uma renda elevada, ou seja, menos de 80% da população brasileira. A previdência privada fez parte da reforma da previdência de 1998. A ideia da emenda constitucional n. 20 era justamente criar um mercado para o setor privado, era permitir que o mercado financeiro nacional e internacional capturasse recursos da previdência. Para isso fizeram umareforma dos setores público e privado. E em ambos os casos se estabeleceu um teto baixo de aposentadoria. A maior aposentadoria é 3.900 reais, portanto, quem quer ganhar mais, investe no setor privado. Com essa medida foi possível abrir o mercado para o setor privado tanto na previdência complementar privada como na previdência complementar pública. O problema disso é que esses recursos são aplicados pelo setor financeiro, e estão sujeitos às regras de um mercado financeiro que é ganancioso, e pouco regulamentado.

Se não houvesse a previdência privada, seria possível estabelecer um teto maior para a previdência pública?
Eduardo Fagnani – Claro que sim. Mas se limita o teto justamente para criar o mercado do setor privado. Esse foi o objetivo da reforma do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi isso que o Banco Mundial e oFundo Monetário Internacional – FMI pediram ao Brasil. Na década de 1990, nove países da América Latina privatizaram seu sistema de previdência, e o Brasil conseguiu resistir. Mas é nessa onda que foi feita a reforma, que tornou as regras exigentes para reduzir a pressão de gastos e, ao mesmo tempo, criar um teto baixíssimo para a aposentadoria a fim de implantar a previdência privada.

Que fatores põem em risco as conquistas em relação à seguridade social?
Eduardo Fagnani – São várias as questões que colocam em risco as conquistas de 1988. Em relação à reforma tributária, está tramitando no Congresso Nacional a PEC-233, que simplifica o sistema de impostos. A proposta é criar o Imposto de Valor Adicionado – IVA, e extinguir a contribuição sobre o lucro, contribuição sobre o faturamento, o PIS/Pasep, o salário educação. Ou seja, vão extinguir todas as formas de recurso que financiem a seguridade social, todas as fontes de recurso previstas no artigo 195 da Constituição Federal, que fala do orçamento da seguridade social. Se acabarem com essa vinculação constitucional, todos os recursos vão para um fundo comum, e provavelmente esse dinheiro não será destinado à seguridade social.
Outra questão é a desoneração da folha de pagamento, a desoneração da contribuição das empresas. Recentemente, em função da falta de competitividade das empresas nacionais em relação ao mercado internacional, além de baixar os juros, desvalorizar o câmbio, o governo permitiu que vários setores da economia deixassem de contribuir com a previdência social. Eles contabilizam 20% sobre a folha de salário, e tiveram isenção total para garantir o custo mais barato dos produtos, e melhorar a competitividade, embora o salário não seja o fator mais importante para a competitividade das empresas. Agora, qual será a consequência disso? Estão fragilizando as fontes de financiamento da seguridade social.

Gostaria de acrescentar algo?
Eduardo Fagnani – Ainda em relação à questão da reforma tributária, não se discute um dos maiores problemas tributários do Brasil, que é a injustiça fiscal. Quer dizer, as pessoas mais pobres pagam proporcionalmente mais do que as pessoas mais ricas.
Outra questão importantíssima diz respeito à Constituição de 1988, que criou a seguridade social (saúde (SUS), a previdência urbana e rural, a assistência social e o seguro desemprego), conforme estabelece o art. 194. Depois, o art. 195 criou o orçamento da seguridade social, ou seja, o conjunto de fontes de financiamento desses quatro setores. Conforme a Constituição, esses recursos da seguridade social só podem ser utilizados para a seguridade social, o que de fato não acontece. Esses recursos têm sido desviados para outras finalidades desde 1988.
A Constituição também determina a criação de um Conselho Nacional da Seguridade Social para fiscalizar a aplicação dos recursos. Entretanto, esse Conselho começou a ser criado em 1991 e foi extinto por uma medida provisória em 2001. Portanto, não existe um Conselho Nacional da Seguridade Social. Isso é uma inconstitucionalidade. Esse conselho seria o representante da área da saúde, da previdência, da assistência social para fiscalizar a gestão e a aplicação financeira dos recursos da seguridade social. Como uma medida provisória tem poder para cancelar uma legislação constitucional complementar? Fica aqui minha pergunta ao movimento social: por que vocês não fazem nada?

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