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Trabalho terceirizado: limites e desafios. Entrevista especial com Luciano Athayde Chaves

“O próprio trabalhador tem ideia de que o trabalho terceirizado é precário, transitório, inseguro. Isso, portanto, não contribui para a valorização do trabalho, conforme prevê a Constituição Federal”, analisa o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciano Athayde Chaves. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, ele contextualiza o surgimento do trabalho terceirizado no Brasil, fala dos problemas atuais e do que está sendo feito para que não se subverta a ideia essencial dessa modalidade de contratação de prestadores de serviço. “No Brasil, há uma visão econômica sobre o processo de terceirização de redução de custos, ou seja, não há preocupação com a qualidade do serviço, com a atividade especializada de quem vai fazer o trabalho. Apenas se pensa em reduzir custos”, apontou.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O Ministério do Trabalho está discutindo uma proposta de regulamentação para o trabalho terceirizado. O senhor pode explicar no que consiste essa regulamentação?

Luciano Athayde Chaves – A rigor é um esforço para deixar claro um conjunto de regras sobre a contratação de mão-de-obra terceirizada. Isso porque o Brasil hoje não tem tantos marcos regulatórios. A ideia é deixar evidente quais são os limites, os balizamentos e os efeitos jurídicos da contratação de prestadores de serviço não registrados como empregados.

IHU On-Line – Quais são os abusos cometidos pelas empresas em relação ao trabalho terceirizado?

Luciano Athayde Chaves – O trabalho terceirizado não é novidade entre nós, mas ele foi expandido significativamente e ultrapassou o limite daquilo que a Justiça do Trabalho tem reconhecido como possível. Por exemplo: a terceirização de vigilância armada é algo previsto em lei, regulamentado e tem sido feito já há muito tempo. Agora, o problema é quando a atividade final da empresa é terceirizada. Um exemplo disso acontece na telefonia. Recentemente, o Tribunal do Trabalho reconheceu que não é possível terceirizar a ligação ou desligamento de linhas telefônicas através de mão-de-obra terceirizada. Esse tipo de terceirização de atividade final não pode acontecer.

IHU On-Line – A Justiça do Trabalho tem coibido os excessos no uso do trabalho terceirizado?

Luciano Athayde Chaves – Não podemos dizer dessa maneira porque a Justiça do Trabalho, a rigor, só examina as causas que chegam ao seu conhecimento. Esse deveria ser o papel da fiscalização do trabalho que, infelizmente, é muito insuficiente. Eu diria que a Justiça do Trabalho tem, diante dos casos que têm chegado a ela, sido bastante criteriosa. Um exemplo desse critério é a própria súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho que tem uma grande aceitação perante os juízes de reconhecer como inviável a terceirização da atividade fim. E mais: ela reconhece que ainda nas atividades permitidas, a empresa que toma o serviço da terceirizada deve responder também pelas dívidas com o trabalhador, ainda que de forma subsidiária. 

IHU On-Line – Qual é origem do trabalho terceirizado? Em que contexto econômico ele passou a ser utilizado?

Luciano Athayde Chaves – É algo difícil de contextualizar porque o mundo do trabalho é muito heterogêneo. Porém, a ideia, no início, era que se pudesse contratar serviços muito especializados, que seriam difíceis de serem feitos pela própria empresa ou que não seriam adequados, do ponto de vista empresarial, serem realizados pela empresa, porque são atividades sazonais. Por exemplo: uma empresa vai ampliar o seu parque fabril. Evidente que ela não vai contratar mão-de-obra permanente para si. Ela vai contratar uma empresa terceirizada para construir aquela unidade fabril.

O que chamamos de terceirização, propriamente no Brasil, estabiliza-se com o serviço de vigilância e limpeza. Isso veio como algo que se incorporou na tradição laboral brasileira. Agora, de um tempo para cá, expandiu-se para serviços de telemarketing dentro da própria empresa de telecomunicações. De repente, uma certa mão-de-obra, mesmo sem qualificação, contrariando a origem da empresa, começou a ser contratada para diminuir essencialmente custos. A ideia é pagar a essas pessoas um valor diferente do estatuto trabalhista dos empregados registrados pela própria empresa.

É curioso perceber que, em vários países, essa horizontalização do trabalho tem sido utilizada com sucesso. Acredito que é preciso considerar as peculiaridades de cada comunidade, de cada país, de cada sociedade do trabalho. Se no Japão isso funciona, é preciso saber quais as características que promovem isso. No Brasil, há uma visão econômica sobre o processo de terceirização de redução de custos, ou seja, não há preocupação com a qualidade do serviço, com a atividade especializada de quem vai fazer o trabalho. Apenas se pensa em reduzir custos. Claro que isso está na ideia de se pagar menos, garantir menos direitos aos trabalhadores terceirizados. O próprio trabalhador tem ideia de que o trabalho terceirizado é precário, transitório, inseguro. Isso, portanto, não contribui para a valorização do trabalho, conforme prevê a Constituição Federal.

IHU On-Line – Então, outros países também utilizam trabalho terceirizado?

Luciano Athayde Chaves – Sim, claro. Mas é preciso verificar que nem todo lugar é permitida a diferença de salário entre o empregado e o terceirizado, além disso, os dois devem ser registrados pela própria empresa. Mas também é preciso lembrar que esses países têm características sociais e econômicas diferentes do nosso país. O Brasil possui muita informalidade e sonegação de direitos laborais.

IHU On-Line – Qual é a sua avaliação da legislação trabalhista no governo Lula? Houve alguma mudança significativa?

Luciano Athayde Chaves – Creio que não houve mudanças significativas. O padrão regulatório trabalhista se manteve basicamente o mesmo. Não houve qualquer questão significativa que caracterize esse governo nesse campo. Na área sindical, apenas se fez um esforço pela regularização das centrais sindicais, mas ainda distante do se deseja no país de um pacto sindical de nível nacional. Apenas se reconheceu uma natureza sindical das centrais que antes não existia. Fora isso, parece-me que o governo Lula teve uma passagem nesse campo trabalhista que não mereceria um destaque especial.

Vejo que há uma dificuldade muito grande de discutir no Parlamento ou no Congresso Nacional temas trabalhistas, e isso não é uma questão propriamente do governo. Há uma preocupação com o desenvolvimento econômico, e isso tem bloqueado uma agenda de debates de ampliação de direitos.

Há uma questão importante na agenda que é um comando legal que obrigue a empresa a pagar ao terceirizado a mesma coisa que se paga ao empregado direto. Esse é um projeto que não sei se vai avançar, porque hoje o Congresso não tem mostrado fôlego e consenso para ir adiante com esse tema.

IHU On-Line – Por que a Justiça do Trabalho é considerada como mais progressista em relação a outras áreas da justiça?

Luciano Athayde Chaves – Ela enfrenta, por conta das mudanças dos tempos, situações novas, que precisam ser solucionadas e que têm hoje a sua disposição a Constituição – que é bastante avançada de proteção principiológica do trabalho e da pessoa humana. A Justiça do Trabalho tem dado sua contribuição para conhecer algumas situações e dar alguma dignidade a esses postulados constitucionais. Mas vejo avanços em outras justiças também. A Justiça do Trabalho tem mais visibilidade porque as pessoas têm um contato muito próximo com ela. São temas que envolvem a maior parte da população economicamente ativa. O mundo do trabalho é o mundo das pessoas atuais, somos a sociedade do trabalho.

Fonte: Instituto Humanitas

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