Governador de Rondônia diz que problemas em Jirau foram provocados por gente de fora do estado
O governador de Rondônia, Confúcio Moura, tomou posse com o desafio de aliviar o que chamou de caos dramáticoda saúde pública, além de dar prioridade à regularização fundiária e ambiental em um estado com 237,5 mil quilômetros quadrados de área territorial.
Moura disse que passou os primeiros dias de governo “retirando o lixo de debaixo do tapete” – chegou a decretar estado de perigo iminente e de calamidade pública da rede hospitalar rondoniana. O plano, segundo ele, é “arrumar a casa” para, em seguida, recorrer ao governo federal para ajuda financeira.
Sobre os recentes episódios de confronto registrados na Usina Hidrelétrica Jirau, no Rio Madeira, o governador rebate as críticas de que não houve ação pronta e eficaz do estado e afirmou que é da União a responsabilidade pela segurança no local. Ele defende a contratação de mão de obra local como parte da solução do problema.
Agência Brasil – Governador, Rondônia registrou
recentemente problemas no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Jirau,
no Rio Madeira. Qual a sua avaliação a respeito dos últimos
acontecimentos e o que está sendo feito para resolver ou amenizar os
problemas no local?
Confúcio Moura - Da parte do estado, foi feito tudo.
Foi contido o contencioso com bombeiros, Polícia Civil e Militar. No
início, já estávamos lá dentro. Depois, vieram as ligações para
Brasília. Só um ministério foi de pronto atendimento, o da Justiça. Os
outros ficaram adiando, enrolando. O José Eduardo Cardozo [ministro da
Justiça], na mesma hora, mandou a Força Nacional. Usinas nucleares,
hidrelétricas e refinarias de petróleo, compete ao Estado nacional
oferecer a segurança que necessita, não é o estado federado. Ele
participa de maneira complementar. O [governo federal] falhou. Vamos
exigir que a Força Nacional continue dentro dos canteiros prestando
apoio até a conclusão das obras. As próprias empresas, embora tenham a
visão do lucro, não podem usar armamentos dentro dos canteiros, apenas
guardas patrimoniais. Como é uma obra que envolve dinheiro do PAC
[Programa de Aceleração do Crescimento], consórcio nacional e
internacional muito bem costurado, se essa onda pega... E já está
esparramando – em Mato Grosso também já manifestou. [Vou levar ao
Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência] Algumas
condicionantes do estado. Até agora, o estado ficou só ouvindo tudo.
Vamos fazer algumas exigências. Por exemplo, que contrate gente do
estado. Toda essa bagunça lá [na Usina Jirau] foi promovida não por
trabalhadores do estado. Queremos que eles sejam recrutados. Temos mão
de obra. Não temos qualificada, precisamos de soldador, de carpintaria.
Mas essa preparação é feita massivamente por institutos, dá para
preparar. O motivo [da rebelião em Jirau], até agora, não está
diagnosticado. A Abin [Agência Brasileira de Inteligência] e o serviço
de inteligência do estado não chegaram a um fato concreto, se são
negociações trabalhistas, desacertos. Há, logicamente, um clima
subterrâneo de insatisfação. A polícia [estadual] pode, em um
determinado momento, ajudar, mas na condição de prestar auxílio.
Precisamos de armamentos não letais, o que não nos foi oferecido. O
Estado tem que nos ajudar. Mandamos em torno de 400 homens,
desarticulando presídios, bancos. Fomos retirando à medida que a Força
Nacional chegou. Nossa ação foi muito rápida. Com certeza, vai haver
atraso de cronograma [nas obras da usina]. Isso desarticula os
fornecedores, há uma demissão em série, que nos causa preocupação.
Grande parte dos fornecedores de comida, água, materiais e até
equipamento é do estado. Eles ficam apreensivos. Queremos um cronograma
de retomada das obras o mais rapidamente possível. De posse disso, o
estado já está preparando gente, o setor de construção civil vai
aproveitar essa mão de obra depois, muita gente vai sair e montar
pequenos negócios. O estado vai ganhar com essa preparação.
ABr - O senhor assumiu o governo de Rondônia com a
meta de melhorar o sistema de saúde e trabalhar pela regularização
fundiária e ambiental. Como o senhor pretende fazer isso e quais os
principais desafios enfrentados nesses primeiros dias de governo?
Moura - A primeira coisa que pudemos verificar foi o
caos dramático da saúde pública. Pacientes pelo chão, filas enormes de
cirurgias que, com tanta demora, [pessoas que sofreram fraturas e não
fizeram a cirurgia] os ossos consolidam-se viciosamente. Algo alarmante!
Estamos trabalhando no sentido de não buscar nenhum dinheiro novo
federal. Achamos que o problema não é falta de recurso. É falta, mesmo,
de competência, de gestão local. Tão logo a gente tenha esses dados
evidenciados e melhorada a gestão, aí, sim, vamos voltar a Brasília para
pedir um socorro de recursos financeiros. Vamos trabalhar procurando
treinar e capacitar pessoal para uma gestão qualificada, em parceria com
a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Vamos passo a passo melhorando, essa
é a nossa meta inicial. Hoje, você melhora o pronto-socorro, amanhã ele
piora de novo. Não há ainda um encadeamento de propostas e de ações.
Tudo é muito amadorístico. Não tem controle de estoques, de compras –
muitas vezes se compra um produto que tem estocado. Já corremos seis
estados, e estamos implantando modelos de Minas Gerais, Pernambuco, do
Paraná, Rio Grande do Sul e Acre. Estamos pegando pedacinhos de cada um
para montar o nosso quebra-cabeça local em busca dessa eficiência. Na
hora em que você fizer uma gestão eficiente do gasto, do controle do
desperdício, se faltar recurso, é pouco. O Ministério da Saúde, com
todos os seus problemas, é um ministério generoso. O que você notifica,
ele paga. O problema nosso é que subnotificamos, não comunicamos nossos
serviços ao ministério. Então, não vem nem o dinheiro previsto. Os
salários baixos para a nossa região não atraem algumas especialidades
como oncologia, neurocirurgia e ortopedia. A solução é o pagamento por
preço de mercado, mas a legislação não permite. Se você não paga, não
tem especialista. Fica sempre inventando formas mágicas para ludibriar,
de certa forma, a legislação brasileira. Salários de R$ 10 mil, em
média. Não há atratividade. Se na capital está assim, pior nos
municípios de fronteira. O único padrão de incentivo é o salário. Você
não vai levar o cara por filosofia ou patriotismo. Depois disso tudo
feito, e vamos até o final do ano, aí, sim, vamos chegar ao ministério e
falar que o dinheiro é pouco. Mas, por enquanto, não temos nem condição
técnica de falar nada.
ABr – Governador, o seu estado tem sérios problemas na área fundiária. Como resolvê-los?
Moura - A regularização fundiária é uma falha do
federalismo centralizado demais. O território federal de Rondônia,
quando passou a ser estado, o governo não recebeu suas terras. É um
estado que não gerencia suas terras, não tem como fazer uma reforma
agrária local, não titulariza os imóveis e, com isso, metade do estado é
de posseiros. O circuito vicioso de invasões de terra é permanente e os
conflitos não param nunca. Temos que receber, por delegação, as terras.
Vou pedir à presidenta Dilma Rousseff que nos passe as terras para que o
estado possa legislar sobre elas. É um estado sem lei. Com essas
demandas crescentes do Código Florestal, que não votam nunca, esse
estado de expectativa permanente gera a ocupação irresponsável e ilegal
de áreas de floresta, a busca pela madeira, pelo minério. Queremos o
estado com seus terremos legalizados e legislando sobre o meio ambiente.
Se pacifica, dobra o PIB [Produto Interno Bruto], só com esse gesto –
regularização de terras e ambiental. Temos que saber, um por um, o que
fazem com suas terras, ter algum incentivo compensatório para o
reflorestamento, mas ele não existe. Fundo nenhum incentiva a
regularização ambiental da propriedade privada.
ABr - Como tem sido a relação com o governo federal nesse início de mandato da presidenta Dilma Rousseff?
Moura - Por enquanto, ainda há um início de governo
tanto dela quanto do estado. Ela está trabalhando seu estilo de governo
no âmbito central, fazendo ajustes de pessoal e de políticas, de
controle inflacionário. Por enquanto, cada estado que cuide de seu
estado. Não existe ainda nenhuma norma geral, a não ser alguns programas
como o da mãe-canguru e, aqui e ali, outra iniciativa que fica para os
estados analisarem a conveniência de implantar ou não. Implantar
programa federal, só para aumentar gasto com pessoal, não vamos aceitar.
Vamos fazer nossa gestão em saúde a nosso modo, sem tanto impactar em
folha e gasto público. Nada de ficar gerando filosofias por parte do
governo federal, e mandando que os estados copiem. Cada estado tem sua
realidade, sua vida própria e seus próprios interesses a resolver.
ABr - O governo federal anunciou um ajuste fiscal para este ano. O estado de Rondônia adotou alguma medida nesse sentido?
Moura - O estado de Rondônia é um estado, por sua
natureza, de ajuste feito. A única coisa errada que vimos foi o
descumprimento, pelo governo passado, da Lei de Responsabilidade Fiscal,
passando a dívida para o meu governo. Está dando um prejuízo inicial à
imagem do estado na captação de recursos públicos, de endividamento.
Fora isso, o estado está com o pé no freio, controlado, com as receitas
em bom estágio. Se se mantiver como está, está bom. Nossa receita vem de
ICMS [Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] do estado.
Com usinas em construção e outros investimentos do PAC [Programa de
Aceleração do Crescimento], houve aumento também. O estado tem feito o
seu dever de casa ao longo dos anos – 1,5 milhão de habitantes, uma
grande produção de gado de corte, grandes indústrias de laticínio,
exportamos madeira, peixe, minério. Nosso orçamento é de R$ 5,1 bilhões
este ano, tem crescido muito. Rondônia é um dos estados com maior
crescimento de receita – no ano passado, entre 8% e 9% do PIB [Produto
Interno Bruto]. O PIB per capita é desigual ainda, porque temos
um segmento que não tem acompanhado esse ímpeto progressista do estado.
Nossas dividas são muito pequenas, queremos nos endividar mais, nas
áreas de educação, saúde e segurança. Precisamos nos endividar para dar
um choque de gestão inicial e pagar a conta no decorrer de 15 ou 20
anos. Precisamos de ações concretas nos presídios, hospitais e nas
escolas. Quero dinheiro do BID [Banco Interamericano de
Desenvolvimento], do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social] e da Caixa, de longo prazo. A dívida do estado não compromete.
Tem uma folga grande para endividar, e eu vou aproveitar essa folga.
ABr - A reforma tributária é um dos compromissos da
presidenta Dilma Rousseff para este governo, e a guerra fiscal entre os
estados é um dos temas dessa reforma. A preocupação do governo é com
relação aos benefícios concedidos por estados que reduzam ou anulam a
cobrança do ICMS incidente sobre as importações. Qual a avaliação do
senhor sobre o assunto?
Moura - A reforma tributária brasileira vem rolando, e
não é de agora. Está tudo escrito, não tem nada a se fazer, é só pegar
na gaveta e dar uma atualizada. Do imposto único até a série de tributos
foram propostos. O problema maior não é a Federação, o problemas são os
estados produtores e os consumidores. Essa é a guerra permanente. Os
produtores querem que o ICMS seja cobrado na origem, e os consumidores,
no destino. Tem que fazer uma conciliação. Os estados não acreditam no
Tesouro. Isso nunca funcionou no Brasil. Sempre houve um calote
declarado ao longo da história. Governador nenhum acredita nessa
conversa. Tem que ser algo concreto, em que haja um meio termo entre
origem e destino, de forma que as receitas não caiam, porque os estados
têm compromissos com repasses e folhas de salário. Não dá para ficar uma
temporada esperando que haja um equilíbrio natural das coisas.
ABr - No início do ano, o governo de Rondônia
decretou “estado de perigo iminente e de calamidade pública” da rede
hospitalar, e pediu ajuda do governo federal. Recentemente, o senhor fez
críticas ao programa de saúde chamado de Tratamento Fora do Domicilio e
avaliou que é preciso oferecer alternativas dentro do próprio estado. O
que o senhor pretende fazer para mudar o atual quadro da saúde?
Moura - Essa medida foi para chamar a atenção mesmo, e
retirar o lixo de debaixo do tapete. Mostrar a verdade nua e crua dos
acontecimentos no Brasil. Fiz aquilo tudo, cheguei aqui, a Brasília, e o
Agnelo [governador do Distrito Federal] está do mesmo jeito, gritando e
chorando piedosamente. Se Brasília, nas barbas do Palácio do Planalto,
está com caos na saúde, nós também estamos. Temos que arrumar a nossa
casa para depois começarmos a pleitear novos serviços, como o de
oncologia, de cirurgias cardíacas, de transplantes, doenças responsáveis
pela grande quantidade de pacientes que saem para tratamento fora do
estado.
ABr - Quais os projetos para a área de educação
previstos para o estado, sobretudo no que diz respeito à capacitação de
mão de obra?
Moura - Temos um ensino médio de péssima qualidade
como no resto do país. O ensino médio brasileiro é muito ruim, é caótico
de ponta a ponta. A alternativa é que fazemos uma sincronia entre o
ensino tradicional ruim e o ensino profissional, de forma que o aluno
possa aprender uma profissão e ir trabalhar. É isso que estamos
perseguindo, com as escolas de alternância na zona rural, para formar o
agricultor, e na área urbana, técnicos, de acordo com a demanda do
próprio estado. Investir em laboratórios, bibliotecas, qualificação de
professores, em parcerias com a Fucap [Faculdade Capivari], o Instituto
Federal de Rondônia e o Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial ]. Vamos gradativamente, mas nossa meta é essa.
ABr - No próximo mês, o governo federal deverá
anunciar um plano para a erradicação da extrema pobreza no país. Quais
os projetos do estado para reduzir as desigualdades regionais e sociais?
Moura - Entre mestres e doutores, por exemplo, todos
os da região amazônica inteira são menos do que os do Paraná. Um 'país'
como é a Amazônia, com dois terços do território nacional. Essa é uma
desigualdade de conhecimento violenta. E sem conhecimento, sem pesquisa
científica, sem a interiorização de mestres e doutores, não combateremos
a desigualdade. O conhecimento científico na Amazônia pode amenizar a
imensa desigualdade. Todas as agências de desenvolvimento criadas não
deram resposta, como a Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia], que ficou só no Pará e esqueceu os demais estados da
Amazônia. Essas agências vieram para promover o combate à desigualdade
em seu sentido pleno, que seriam projetos de desenvolvimento, auxílio
aos prefeitos, busca e captação de recursos, por meio de fundos
especiais.